quinta-feira, 31 de julho de 2008

Quem dera ele pudesse me ouvir ...

Diversas vezes eu entrei e ele estava lá. Mesa do fundo. Quieto, grisalho, semblante triste de quem tem o pensamento longe e só está ali por estar. Esbocei um sorriso algumas vezes, o retorno foi desconfiado, como quem procura saber o motivo da gentileza.
Naquele dia foi diferente. Ousei perguntar para alguém próximo quem era, pois todas as vezes que olhava pra ele, lembrava de você, meu vô. E descobri que a sua história e a dele, eram parecidas. Com uma diferença. Ele está aqui e você já se foi.
Bateu-me uma saudade tão grande naquele instante, que lágrimas rolaram mesmo eu me esforçando para segura-las. Detesto ser fraca.
Comecei a pensar em você, que já não está conosco há bastante tempo, e confesso que mal consegui terminar o almoço, que teimava em não descer pela garganta.
Lembrei de tudo que passamos, tantos momentos, uns lá do começo da minha infância, onde você queria cortar minhas unhas e eu, já dando mostras de um temperamento difícil dizia que não. Não queria unhas curtas. Relembrei da fase difícil quando a vó se foi e você ficou perdido, tal qual uma criança, e daí em diante perdeu o rumo. Lembrei das brigas na difícil fase de adaptação quando moramos juntos. Eu sei, não foi fácil pra ninguém. Quantas vezes discutimos, falamos alto, você me mandou embora duas vezes. Mas eu não fui. Melhor pra mim, que teria morrido de remorso depois. Mas também tivemos momentos bons, de paz, de trégua, assistimos Roberto Leal juntos, já quase no fim de tudo e vi você chorar de saudade. Hoje quem chora sou eu. Ainda tenho o último presente que você me deu, um vestido “pra ir à igreja com o moço”. O moço hoje é meu marido vô, e você teria muito orgulho disso. Eu até aprendi a cozinhar, olha que benção. Manuseio o liquidificador, a batedeira, a máquina de lavar, viu como não era tarde pra aprender? Nunca mais fiz o molho que você gostava. Nem a sopinha de Fidellini, mas sempre me lembro de como você gostava dessas coisas, e cito pra quem estiver ao meu lado, assim as memórias ficam sempre frescas.
Queria muito que você estivesse aqui hoje. Queria que pudesse me ver, queria desfazer tanta coisa, e fazer outras tantas, mas sei que não é possível. Se você estivesse em casa, iria te dar um abraço. Ou talvez não. Acho que ficaria mesmo na porta do seu quarto, observando seu sono, e vendo sua respiração. E tendo a certeza de que está bem, tal qual fiz tantas vezes.
Sei que não pode mais me ouvir, mas dizer estas palavras é uma forma de amenizar o que sinto agora, e quem sabe um dia, lá na Gloria do Pai não nos vemos de novo, e aí quem sabe posso te dar aquele abraço.
Vou seguindo a vida, guardando as memórias, e te relembrando sempre, porque aqui dentro de mim, você ainda vive, casmurro e teimoso como sempre, afinal de quem acha que eu herdei este gênio difícil ?

domingo, 27 de julho de 2008

Tempo

Cruel e implacável. Decidido e determinante. Assim ele é. Senhor de tudo alimenta paixões, mas também as destrói. Mata de saudade, mas serve de mercúrio-cromo amenizando as dores e fechando feridas. Sempre em frente, nunca volta atrás nem se arrepende.
Marcha todos os dias rumo ao novo, ao desconhecido, rumo ao futuro. Leva para longe as lembranças da infância, oferece um tom amarelado para as nossas melhores recordações, por mais que tentemos evitar.
Há quem tente de tudo para vence-lo, ciência, auto-ajuda, medicina, indústria química, mas é tudo em vão. Parar esta força não compete a nós meros mortais temerosos.
O que será isso que passa sem ser percebido e deixa marcas em rostos e corações?
Não conseguimos detê-lo, nem retarda-lo, apenas viver da melhor forma possível.
Do que falo? Ora, senão é ele, o tempo. Tempo que vai, mas nunca volta.
Força que todos os dias escapa entre as mãos, tempo que me fez aprender que bom mesmo ( com a licença do poeta ), é que seja eterno enquanto dure.

domingo, 13 de julho de 2008

Metrô

Num vai e vem constante ele passa. Leva pessoas de um canto a outro. Encurtando distâncias com incrível velocidade. Benefício das metrópoles para a massa que todos os dias se locomove pela cidade. Grande e eficiente Metrô.
Paro e observo, vejo mais do que isso. Rostos anônimos de fato, mas cada um com uma trajetória, com um desejo, uma dor, ou uma alegria.
Ao lado vejo a moça que solitária e vaidosa não para de olhar para si mesma através de um pequeno espelho. O que será que tanto busca? Talvez suas verdades, quem sabe?
Mais a frente um casal. Pouca conversa, muitas malas, expressão de cansaço e nenhum traço de alegria.
Em outro canto vejo um grupo animado que ri sem se importar em fazer barulho. Trajam roupas diferentes. Não se pode negar que eles pertencem a uma tribo com estilo muito próprio.
Para onde olhar vejo misturas: branco, negro, paulista, nordestino, novo, velho, bonito, f eio, triste, feliz, cansado, esperançoso. Cada qual com sua história única e verdadeira, que ocupa um pequeno espaço no grande trem apenas de passagem. Vidas que invadem um cenário por duas ou três estações e depois se vão para dar lugar à outra história. Não menos importante, nem menos anônima. Apenas mais uma a ocupar os bancos do metrô.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Não era eu

Dia desses achei diversos rascunhos de textos que escrevi há tempos atrás. Alguns de anos. Quatro, cinco ou mais.
Parei pra ler e decidi por todos no lixo. Piquei em pedaços.
Muito do que estava ali não falava de mim...E sim de uma estranha, com pensamentos confusos, esquisitos, tristes. Eram como se alguém muito diferente tivesse escrito. Havia sonhos que caíram por terra, lembranças que se perderam no tempo, pessoas que tive que me esforçar pra lembrar quem eram, definitivamente aquela vida descrita ali não era minha. Nada se parecia com o que eu penso e faço hoje.
Claro que encontrei resquícios de mim. Pequenos fragmentos que afirmavam que sim, eu os tinha escrito, mas os conteúdos não condiziam mais com a realidade.
E sabe qual o motivo disso tudo? O tempo passou, eu cresci, evoluí, criei asas e voei. Pode parecer clichê, e é, mas a vida anda pra frente, e a minha não andou. Correu.
O que antes era angústia, novidade e trazia medo, hoje é minha doce realidade, muitos fantasmas como solidão, tristeza, saudade, foram sumariamente aniquilados,certezas que não tinha hoje são fatos, pessoas importantes se mostraram nem tão indispensáveis assim, tudo assumiu outras dimensões.
Fico pensando como o tempo nos torna diferentes sem que percebamos. Um estalar de dedos e tudo se faz novo. E essa é a graça da vida. Somos mutáveis. Não como meus heróis preferidos Wolverine, Tempestade, Vampira, e toda a turminha “X”. Somos mutáveis pela ação do tempo que vai nos moldando segundo os acontecimentos, e nos tornando melhores. Experiências amargas doem, mas são importantes no aprendizado. E experiências boas, hora ou outra saem de cena, para que outras aconteçam.
É isso, ontem a incerteza e o medo de ficar sozinha a vida inteira, hoje uma vida a dois reconfortante e feliz. No passado um desejo enorme de adentrar uma universidade e ser chamada de caloura, hoje um diploma na mão, mesmo que não saiba exatamente o que fazer com ele.
E assim a vida segue, ensinando, empurrando, acontecendo sem que ninguém se dê conta de seu caráter transformador e mágico. Segue de forma que quando olho minhas lembranças vejo uma desconhecida, que me faz lembrar que o tempo é sim um “santo remédio”, ministrado de forma sutil.