Nos últimos dias o noticiário ganhou uma pauta recorrente: os tais "rolezinhos" dos adolescentes das periferias de São Paulo. Eu, como consumidora voraz de informação acompanhei diversas matérias e opiniões sobre o assunto. Confesso que poucas vezes vi tanta bizarrice junta. Sim. Está chovendo "análises" do "fenômeno político-cultural" que não tem nada de político, muito menos de cultural. Luta de classes. Preconceito racial. Gente, tá difícil. Quer a opinião de quem mora a vida toda nesta metrópole velha de guerra? Senta que eu te conto.
Rolezinho em shopping sempre existiu por essas bandas. Todo adolescente, rico ou pobre, já foi passear no shopping com os amigos, já foi namorar, ao cinema, comer, bater papo olhando vitrines. É uma coisa normal em um lugar onde não há praias, os parques são de número reduzido (e a maioria que é frequentável está longe da periferia), teatro ainda é coisa de poucos, museu então, nem se conta. Enfim. Há muitos anos existe a cultura de passear pelos corredores de shopping. Eu fiz parte desta turma. Frequento os centros de compras em companhia de amigas desde os 13, 14 anos de idade. Posso te dizer com propriedade. Pobre nunca foi barrado na porta única e exclusivamente por ser pobre. Claro, existem os shopping de elite, de classe alta, mas que na boa? Cada um sabe onde coloca o nariz. Eu nunca quis frequentar um lugar onde me sentisse uma estranha, deslocada dos demais. Simples assim. Não vou atravessar a cidade para visitar um lugar onde não me encaixo.
A questão que está pegando nessa modinha dos rolezinhos atuais, é que os jovens extrapolaram os limites do bom senso. Uma coisa é marcar um passeio com uma turma de amigos, outra é marcar um evento público com mais de seis mil confirmações de presença, num espaço privado para usa-lo com outros fins diferentes do que se destina. Sim, porque o shopping é um lugar aberto ao público, mas tem dono e tem regras. Não dá pra entrar fazendo algazarra, incomodando, ouvindo música alta, etc. E isso independe da análise dos intelectuais de que o shopping é um templo de consumo e blá, blá, blá. Antes de ser qualquer coisa, é uma instituição privada, onde empresários investem seu dinheiro, oferecem empregos, fazem a economia girar e vamos combinar, muitas vezes facilitam e muito nossas vidas. É um fato. Contra fatos não há argumentos.
Imagina você dentro de um shopping. Seja por que motivo for. De repente, uma turba de pessoas correndo e gritando, cantando versos de músicas chulas e desrespeitosas aparece na sua frente. A polícia tentando agir sem saber bem como. Todo mundo embasbacado com a nova situação. Você acha isso um fenômeno cultural? Eu acho perturbação da ordem. Vandalismo. Quem quer se divertir não precisa de milhares de amigos pra "tumultuar" - palavra usada pelos próprios organizadores dos eventos. Aliás, eu li entrevistas com diversos participantes do movimento e nem eles concordam com isso. A maioria acha que a coisa está se perdendo e alguns já estão desistindo de participar disso. Em parte pelo medo da polícia, não vou negar.
Quer uma prova que a coisa descambou? No último final de semana, temendo a represália, os jovens mudaram o local dos encontros. Iriam ao Parque do Ibirapuera. Teve 3.000 confirmações. Cerca de 100 jovens apareceram. Havia mais imprensa do que adolescentes. Por que será? A meu ver, a coisa perde a graça se não der pra tumultuar. Ah, em tempo: Eu também fazia "rolezinho" com amigos no Ibirapuera, carinhosamente chamado de "Ibira".
Observando os vários shoppings que tenho conhecimento, posso te provar que existia paz nos rolezinhos de grupos menores. O shopping Leste Aricanduva recebe todos os finais de semana esses jovens no melhor estilo funkeiro. Quem já passou por ali no sábado e se atentou bem ao fundo da praça de alimentação, na escada que dá acesso à Lojas Americanas, viu jovens que costumam se reunir pra paquerar (usando uma expressão antiga, porque o negócio agora é pegar), conversar e sei lá mais o que.
O shopping Metrô Tatuapé é um reduto de jovens casais (hétero e homossexuais) que se encontram ali na entrada do estacionamento. Ficam lá de papo, alguns ensaiam gestos de carinho, socializam e eu nunca soube de nenhuma intervenção mais grave, salvo casos de necessidade.
O ABC Plaza em Santo André recebe centenas de jovens daqueles com caras tristes e roupas pretas. Que usam uma franjinha cobrindo os olhos. Saem dali e se dirigem ao parque Celso Daniel, em frente ao shopping. Voltam. E vão de novo. Nunca ouve notícia de confusão maior.
Até que justamente em Itaquera, um dos bairros mais pobres da capital a coisa ferveu. Gente, é ridículo falar em preconceito racial ou de classes dentro de Itaquera. Volto a dizer: a coisa ferveu porque houve excessos. O próprio Shopping JK recebe muitos "pobres". É um tiro no pé do empreendimento barrar qualquer possível comprador, mesmo que seja de um Big Mac.
O que eu entendo disso tudo? A mídia, essa voraz "formadora de opinião" logo se dividiu em duas. Uma apoiando, outra achincalhando. O governo, claro, em ano de eleição mais importante do país, não quis se indispor com a "massa", que é de onde lhe saem a maioria dos votos. Criticou, depois voltou atrás. Pobre da nação comandada por interesses políticos. Os entendidos em fenômenos políticos e sociais, ávidos por assunto inventaram uma tal luta de classes. Na boa? São só pessoas assustadas. De ambos os lados. Uns querem se divertir. Mas não entendem muito bem o que são limites. Outros querem ter o direito de frequentar em paz um local onde possam comprar, comer e passear. É justo. Independente de ser ou não ostentação, consumo desenfreado e tal. E também independe de ser em um shopping em Itaquera ou no Morumbi. Cada um oferece algo que as posses da região permite.
Como mãe, eu proponho um exercício de pensar: Quem quer estar dentro de um local fechado, com corredores estreitos, puxando seus filhos pela mão e de repente se ver no meio de um quebra-quebra com milhares de pessoas correndo em sua direção? Como ter certeza de que o "evento" dos jovens vai ser de paz? Que não há arruaceiros ali no meio? (E já foi comprovada a presença deles, infiltrados no meio do movimento, assim como nas manifestações do meio do ano).
Eu quero segurança e comodidade. Pagamos por isso. Eu, você, e o próprio menino do rolezinho, que na sua maioria adora comprar roupas de marca - dentro do shopping.
Falar em preconceito racial nesse caso também é risível pra mim. Na periferia não há só negros. No funk não há só negros. Aliás, de todos os entrevistados que eu vi fotos, nenhum era. Existe pobre de todas as raças. Nasci e cresci na periferia, sempre estudei em escola pública, e a coisa não é dividida entre negros e brancos. Acredite. Há de tudo.
Isso tudo é o que eu penso. É o que eu vejo. Não concordo com pessoas que ao invés de lutar contra a corrente, se rendem ao mantra: "Sou pobre mesmo, sou filho do sistema". Acho triste. Conheço muitos exemplos bacanas de pessoas que não sucumbiram ao rótulo de "preto - pobre - favelado". Pra mim, e sempre disse isso, pobreza é estado de espírito e não de conta bancária.
E acho também, que muito do que acontece hoje é reflexo do que nosso atual governo criou com suas N bolsas-alguma coisa. "Ah, você matriculou seu filho na escola? Toma aqui essa esmolinha. Vá gastar. E não precisa acompanhar o rendimento escolar do seu filho, nós não o reprovaremos. Fica entre nós."
Gente, eu tenho tanta opinião. Mas isso é outro papo, por hoje já me estendi demais.