Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida a minha face?
(Retrato - Cecília Meireles)
Eu acho lindo essas mulheres que ao se tornarem mães se encontram na vida. Aquelas que sonharam a vida toda com casa, marido, filho e cerquinha branca em volta de tudo isso. Mulheres que nunca sonharam em ser professoras ou astronautas. Acho que é uma verdadeira vocação. Não ter mais ambições, aspirações e tal.
Infelizmente, eu não sou assim. Ser mãe foi um desejo realizado, claro. Casar não era bem um desejo (quem me conhece sabe, eu SEMPRE achei que ia morrer encalhada). Enfim, eu construí uma família verdadeira e feliz. Nos amamos. Nos amparamos, como sempre deve ser. Mas, (sempre tem um mais) paralelo a isso, eu sou um ser humano. Que caminha, respira, pensa como um ser individual. Alguém que além de ser mãe e esposa é mulher. É um ser pensante. Essa, aliás, é uma qualidade que muitas vezes me soa como defeito. Ser pensante. Por vezes pensar demais não é muito legal. Cansa. Entristece. Porque tem horas em que você pensa que pode ser mais do que é. Mesmo que o seu dia continue tendo 24 horas, você pensando muito ou não. Não é uma questão de desdenhar o que se tem, veja bem. Família é uma graça de Deus que deve ser celebrada. Mas muitas vezes essa rotina de dona de casa cansa. Essa coisa de correr atrás do rabo. Você faz, faz, faz e nunca acaba o trabalho. A TV a cabo tem 200 canais e nada enriquecedor passando. A rotina do lava-passa-cozinha é um tormento. Recolher brinquedos é tarefa eterna. E tudo se repete no dia seguinte.
E tudo o que estudei, todo o conhecimento que absorvi, e todo meu potencial, fica aonde nisso tudo? Eu sempre me empenhei tanto pra ser bem sucedida. E tem horas que tudo me parece perdido. Horas, dias, anos em vão.
Quando eu estou no ápice do dia, aquela hora em que você já não aguenta mais, eu costumo brincar com marido dizendo que eu podia estar nas aulas do Mestrado. Mas estou de pijama, correndo atrás de criança que não quer tomar banho. Ou pensando no que cozinhar pro jantar. Frustração define.
E eu sou pessimista. Muitas vezes, eu só vejo pelo prisma de que já passei dos 30. Logo estou velha pra qualquer coisa interessante nessa vida. Eu sei que é exagero. Mas no olho do furacão, é assim que me sinto.
Quando vi as chamadas para o filme sobre Elizabeth Bishop me senti uma burra. Eu estudei Bishop na faculdade, e simplesmente não me lembrava da passagem dela pelo Brasil. Como assim? Onde foi que eu guardei tudo aquilo que me orgulhei tanto em aprender?
Talvez seja só uma questão de tempo até que as coisas se arranjem. Até que a situação melhore. Vai ser assim. Porque eu sei que posso mudar qualquer situação enquanto houver sopro de vida em mim.
Mas as vezes é preciso deixar transbordar. Porque externar pode ajudar a resolver. Tem dias em que eu sou pequena pra guardar tantos pensamentos. É necessário colocar pra fora. Seja em forma de lágrimas, ou de palavras.
Não é falta de gratidão, nem de amor. Não me entendam mal.
É apenas excesso de pensamentos.